terça-feira, janeiro 04, 2005

Mar Sombrio

Ondas deste Mar sombrio,
Bruto e meigo nos rochedos,
Como eu quero ser naviu
E como eu quero amar teus medos

Respeitável Mar sombrio
Que engoles sonhos e penedos
E terras que ninguém viu,
Que me escorrem estre os dedos

Mar distante, Mar divino,
Vendo a Alma e o Destino
Em troca de um favor...

Se te apraz engole penedos,
Mar, se queres, irriga-m' os medos,
Mas traz-me o meu Amor!


13 Novembro, 2004

Luísa

Porque invadem a minha noite cânticos de violoncelo quando sussurras palavras ternas em meus ouvidos?
Porque sinto dois palmos de nuvem entre meus pés e o caminho que percorro quando o percorro com mão entrelaçada no suave toque da tua?
Porque doira mais o Sol as coisas que em minha volta contemplo quando reflectido em teus olhos de avelã?
Porque me parece áspero o algodão se o comparo à fina seda que sinto deslizar sob meus dedos quando desenham o delicado contorno de teu peito?
Porque sentem os meus lábios em teus cerejas e damascos e mil frutas de mil cores e sabores e sensações?
Porque fazes, assim, de mim o que sou, porque emanas de tua pele o ar que me faz respirar e porque bombeia o teu coração o sangue que por minhas veias e artérias corre?
Porque, no fundo, existo, porque com vontade acordo diariamente com um sorriso nos lábios, com vontade de, por mais um dia e a cada dia, ser?
Porque és.


03 Janeiro, 2005

Viseu

Do outro lado da janela está frio.
Sento-me absorto, a esta mesa.
Atrás de mim, a escada. Do piso de baixo sobe uma voz cujas palavras não distingo, não sei se por não me preocupar em distingui-las, mas creio que sim. No piso de cima e, mais lá dentro, no piso em que estou, as pessoas já dormem. Ou então não dormem, ou então os quartos estão vazios. Não importa, porque a única consequência real que qualquer das situações tem em mim é eu não ouvir vozes deste piso ou do de cima.
Mais além, na continuação recolhida desta sala, um televisor emite sons desgarrados que ignoro talvez furtuitamente, pintalgando-me ocasionalmente o caderno.
Está lá gente por quem eu não dou e que não dá por mim. Estou tranquilo. À parte de estar só, estou tranquilo.
Tenho tempo para pensar em lágrimas.
Não há nada, por si só, de expressividade tão relativa quanto as lágrimas.
As lágrimas, quimicamente salgadas, por terem sal, por serem soluções aquosas de cloreto de sódio e eventuais sais que ignore. O cloro e o sódio desassociam-se e passamos a ter uma solução de iões cloro e de iões sódio, respectivamente Cl- e Na+. Dizia a minha professora de química.
O poeta, o romântico, dirá que as lágrimas que me escorrem são doces quando escorrem por sentir no meu o teu peito e que são amargas quando um de nós parte, triste que fico de não saber se serão suportáveis os segundos que passam até que te veja. Ainda que venhas rápido, que tenhas saído à rua por cinco minutos.
Einstein raramente se terá enganado (ainda que apregoasse as suas recorrentes dúvidas) e o tempo realmente é relativo. Cinco minutos, cinco anos, uma vida, três segundos, os centésimos que demoro a piscar os olhos... Não importa. Não te ver é não te ver. Ponto.
Deixe-se-me presumir livremente que as lágrimas que não são poéticas não são, na verdade, lágrimas.
Pordoem-me suspeitar que outras lágrimas, como resultantes de dores físicas, sejam corriqueiras.
São absolutamente espectáveis, não contiuem novidade de maior, não revelam sentimentos.
Dor todos podem sentir, a todos acontece.
Duvidarei da crença popular, estremamente retrógrada (porém mais recorrente que as dúvidas de Albert), de que um homem não chora...
Talvez algumas pessoas não chorem quando apunhaladas violentamente. Talvez... Querem saber a verdade? Matem-lhe um filho!
Ousarei dizer que neste mundo só um verdadeiro Homem (sendo este H suficiente maiúsculo para abarcar as verdadeiras Mulheres) tem dignidade suficiente para chorar lágrimas!
A diante, próximo do televisor, um resto esquecido e mal apagado de cigarro invade o ar em movimentos ascendentes quase helicoidais.
Aqui, a esta mesa, sento-me absorto.
E do outro lado da janela faz mais frio.


29 Dezembro, 2004